sexta-feira, 8 de novembro de 2013

(S)Em Medos


Sentar aqui nessa pedra e olhar o Mar sempre me acalma, logo depois do salto...
As ondas se arrastam até a beira mar, o mar sabe ser bravo e sabe acarinhar também...
Dizem que não tenho medo de nada, porque aparento segurança e afinco no ar.
Porque sorrio na ponta da porta do avião e me jogo com vontade do alto.
Porque estar no ar pra mim, é tão natural como estar nos braços de amores.
Penso às vezes que não existem pessoas sem Medo... Não! O medo é intrínseco...
Mas há pessoas que convivem bem com o Medo como se tentassem amizades de infância... Saber conviver com o Medo não é “não tê-lo”, é não se assustar com a cara Dele, apenas.
Há paixões que te fazem esquecer-se da feição do Medo e te fazem atirar-se com mais força no ar, inspirado, à estilo livre, voar, pairar... Ousar nas coreografias que se fazem como desenhos de um artista talentoso no céu... Tudo isso em vôo livre, antes do pára-quedas abrir...
Quando pequena, eu sentava de vestidinho no balanço, de banho tomado e completamente cheirosa.
Ninguém pode imaginar o futuro, de um salto pra fora do balanço ou um salto no ar...
Lembro bem do balanço feito lá em casa, debaixo da goiabeira gigante. Era o quintal arborizado que acompanhava minha infância. Debaixo dos olhares protetores dos meus pais: a mãe viril, linda, negra e amável como as goiabas do quintal e o pai sério, com bigodes, pele branca e de olhar amoroso. Os gritos das crianças da rua eram de se ouvir de lá. (Qual criança cheirosa e calçada não trocaria seu quintal pelas corridas alegres da rua? Pelas bolas de gude brilhantes no chão? Pela liberdade que os “donos das bolas”, meninos grandes e espertos que correm bem, ganham de seus pais?)...
Agarrava-me ao portão e olhava a brincadeira: eram tão ligeiros, tão empoeirados e felizes aqueles meninos! Eu também era feliz, de vestido e calçado dentro do quintal de casa, eu tinha minha imaginação e meus brinquedos prediletos: carros, bonecos, bolas de gude e livros que nunca conheceram a rua. Sim, meus brinquedos prediletos: carros, bonecos, bolas de gude e livros a sós comigo.
Vivi ali muito tempo, sob olhares amorosos da família...
Não conheci o medo ali onde eu estava, mas com o tempo, ele chega de alguma forma... Uns correm, negam, assustam-se, gritam, constroem defesas...
Eu não! Para encará-lo, passei por alguns sustos, construí algumas defesas, mas por atrapalhar meu salto, minha liberdade no ar, eu tentei amizade com Ele...
Hoje, sempre depois do Salto, depois de me jogar em coreografias desprendidas do Medo em pleno céu, eu caminho aqui nessa areia de praia pra conversar com Ele...
Neste momento de inspiração, ardor e encanto Ele nem me olha! Acho q ele se assusta comigo quando estou brilhante e ardente.
 É neste momento (efêmero ou não) em que eu desperto para a Beleza: Ele, o Medo, foge de mim... 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Voo


O Albatroz dá um rasante em pleno mar aberto...

( - O limiar do meu corpo se abre vulnerável...
O mar já não basta...
A tempestade Sangra dentro e fora de mim.
O limiar do meu corpo pulsa
                                    arde
                                    pulsa)
Ali, o marinheiro retira seu quepe observando...
Os assobios dos ventos passam e nada falam.
Do lado de fora tudo é lindo, leve e fácil...
O marinheiro adentra em mar aberto e seu peito dentro Sangra.

(Ingênuo quem pensa que coração de navegante não sangra)

O cheiro da maré embriaga, encanta, vicia
As narinas já compreendem.
Às vezes, quando o céu se encinzece, as nuvens se amontoam e pesam sobre os homens errantes do mar, todos eles crêem na finitude da vida porque os ventos se alimentam do medo deles
os ventos criam forças.
Os ventos fortes engolem os homens;
Rasgam suas peles,
mas esses ventos não dilaceram seus corações, pois os lobos do mar já deixaram seu peito (de ardor) em terra firme.
Na verdade, os fortes ventos trazem a paz existencial que os homens tanto precisam...
A tempestade cresce com agonia e caos... Porém a dor maior sempre fica no último porto:

( - Não se preocupe...
Nenhum marinheiro experiente morre; nenhum navegante bom se afoga.
O mar lembra de quem tem Paixão no peito...
O mar é parte de mim; assim como tenho mãos, tenho mar.)

O limiar do corpo se abre, pulsa
                                          sangra
                                          pulsa
Os ventos acariciam o rosto dos homens e rasga o peito dos bravos
                                                                                          depois é Torpor...
O mar fascina e atrai.
Alimentado por completo, o vento está.
Ameniza
Há brandura de uma violência inocente
A ave paira rasante...

Sim!
       Navegante do mar não morre, transmuta-se em Albatroz Errante.

(PS: a proposta em postar o vídeo com o meu texto é explicar que, pra mim, a música inspirou no processo de criação desse texto... mas escutar ou não quem decide é o leitor. )

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Planeta Eros de um BluesMan



Vagões de trem, guitarra e janelas paisagísticas...

 É de tanto estar nessa estrada com jardins, que eu também desabrocho toda manhã.
Se olhar ‘direitinho’, essas flores são essências musicais para meu canto triste.
Eu realmente não sei se o meu cigarro quer permanecer inteiro ou virar fumaça por inteiro dentro e fora de mim.
Plantações dimensionais, de perder-se de vista; um verde puro não sinaliza um estado espiritual...
Minha ressaca de dias a fio, talvez até de vidas passadas, não diminui a mutação
Não diminui o desejo do meu corpo em virar árvore...
A dor estala nos ossos
Pensei ser impossível sentir o desabrocho como na primeira vez, é como uma agonia voraz.
Aqui o ar é rarefeito, é preciso plantar pra respirar melhor;
tornar-se árvore
Como humanizar-se em planta.
Mudar de forma para Eros
(Isso tira o fôlego de qualquer criatura, em qualquer planeta.
Não seria diferente Aqui
Não seria diferente diante do vulto de quem não vejo)
Diante da personificação de Eros, é difícil respirar...
Na minha frente vejo apenas a plantação, flores, minha guitarra, meu som...
As demais visões são embaçadas, Seu vulto ganha formas... aos poucos
Ela é laranja como um entardecer pela janela do vagão
Beleza fundamental para me manter pulsando

Meus membros galheiam-se, tronco se é.
Não há fôlego que me sustente, respirar só pelas folhas por hora.

Esse desabrocho quase que mortal é apenas o prelúdio Aqui, foi como a primeira vez.
Meu canto é triste porque nada é mais triste do que existir.
Nada mais lindo e triste como a balada Blues. Antes ele. Sem ele é silêncio/nada.

É notável quando as formas de fumaças (ou de pó) ganham curvas, não te permitem respirar.
Pulsam pedaços de carne, adubo...
É notável quando o blues toca a alma a ponto de me fazer virar árvore.
A paixão sufoca um homem, é notável...

Minha imaginação alça vôos de grandes dimensões.
Ganho novamente essência musical para meu canto lindo, logo é triste.
Em meu íntimo, sei do impacto, já aconteceu antes:
Quase um planeta de som e entardecer colidindo com a Terra.

Minha paixão fecunda e se arvoreia, arde e observa, espera, mas não sucumbe.

Rodas oníricas seguem comigo no trilho...

Talvez, nesse planeta de curvas, fascínio e sorriso, tudo seja real.


                                                                                                  

domingo, 24 de março de 2013




Folhas em branco despertam meu olhar para nelas escrever...
Me atraem como ruas enladeiradas,
Como pessoas cantando no meio da noite,
Como “paralelepípedo: água passando no meio.”¹

As folhas estão nuas...
Seduzindo meu corpo como um espectro de mulher me seduz,
Como olhadelas pelos cantos dos olhos,
Como curvas passando no meio de minhas primaveras,
Como uma forçada dissimulação em não sentir, em não me sentir.

        Sento na cadeira deste bar...
        Miguel sabe mais de mim do que eu mesmo, talvez.
       Talvez ele saiba o mais importante: a minha dose.

Tha!
Agora com o whisky encima da mesa, minha munição está pronta:
Folhas nuas;
Lápis rígido e
Whisky-delírio.

Algum vapor quente no meio da noite balbucia falas incompreensíveis ao meu ouvido...
Depois de um tempo tentando entender o som do vapor, percebo que era um mero assobio daquela mulher de Olhos e Mãos...


¹ A frase entre aspas foi falada por um amigo nas Ladeiras de Olinda, vapores ébrios e suas fraternidades (Medeiros Netto.), logo peguei a frase, obrigada, Pin. 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Silêncio flutuante


A luz solar se desfaz entre os dedos
O paraíso é agora entre multicores
A luz do sol se esvai
Sobra prazer no silêncio.

ps: Pode ser acessado na Revista On line "Encontros de Vista"  link

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Aquém quintal


Pela manhã o sol apareceu sem muitos problemas, é que por aqui sempre chove ao amanhecer, me forçando a ter mais resistência nessa base onde estou recostado –acredito que seja numa folha de roseira – essa folha se move bastante com o vento e, imobilizado, não posso mudar de posição. As dores pelo meu corpo são inevitáveis, parece-me que já não terei forças para aguentá-las. Por aqui tudo é muito verde e úmido, nós, criaturas imóveis (ou balançadas pelos ventos ou quando crianças e cachorros nos esbarram) estamos rodeados por um muro, fale-se daqui como um ‘quintal’, acredito que seja esse lugar de meias paisagens desnaturais. Bom, estou, sobretudo, vivo; passei a noite no frio escutando o estalar das pétalas do botão de rosa logo acima de mim. Além das dores da minha transformação, tenho de suportar a hora das crianças chegarem com cachorros pela manhã; o casal de cabelos brancos mora nessa construção de magnitude “João-de-barresca” – dize-se casa - e os berros infantis entram entre carreiras com direito a pisadas fortes e gritos agudos e alegremente cansativos.

A velha de vestido florido (sempre usa um vestido semelhante a este) está com uma mangueira, muitas vezes me lembra uma cobra que jorra água pela boca com o objetivo e aguar as plantas, molhar a terra sem o fervor do sol da tarde, sem a escaldância do sol da tarde, principalmente nessa manhã sem chuva, nessa manhã brilhante e barulhenta. As crianças se despedem dos pais, o motor do carro liga com os pais dentro e seu barulho se perde no mundo ‘além-quintal’. Ao molhar a paisagem naturalizada, a água me causa uma leve refrescância, um alívio que não costumo sentir se não for esta velha, nas manhãs como essa, a me acariciar com a dita mangueira d’água. Os cachorros correm atrás das crianças, todos alegremente batem na roseira e eu, (se for visto assusto a todos) tento me segurar, a vida deles se esvai.

Um cheiro surge da casa, cheiro de bolos crocantes - aprendi que eles o chamam de biscoitos - essas crocâncias vêm numa bandeja carregada pelo velho de suspensório, velho sempre sorridente; um avô que embola no chão entre bichos e netos, gramas e flores, sol e espinhos da minha roseira temporária. “Barre, Barre o quintal!” Ordena a avó para o velho brincalhão, as coisas tentam encontrar seu eixo; a calmaria da hora do almoço é chegada, e não chove... o sol escaldante da tarde também chega, minhas dores aumentam e me contorço, não sei o que faço aqui nem quanto tempo durarei aqui. O Sol se vai assim como chegou, mas, diferente de como vem, é alívio quando se vai; o frio da noite estala algo em mim, os berros viram sussurros e o motor começa a apitar novamente, desta vez para levar as crianças. Todos os dias se repetem como tal, nada difere. Hoje é que está tudo diferente, depois de um dia em  que não houve mais barulhos, nem nunca mais a mangueira da mão da velha jorrou água em mim, esse dia me causou estranhamento, num dia em que, ao invés do cheiro dos biscoitos crocantes, saiu da ‘casa João-de-barresca’ pessoas silenciosas, e caixotes grandes e emadeirados; agora chove todos os dias, mas não sou acariciado com a mesma refrescância e alívio da cobra d’água, ouvi dizer que eu criarei asas, independente da vida que se esvai no mundo “Aquém-quintal”.